terça-feira, 11 de novembro de 2008

Nada mais que atuais...

Texto de José Américo de Almeida

A realidade sertaneja -1877

Com a colaboração e presteza de João Felipe Trindade.

"A Paraíba e seus Problemas" de José Américo de Almeida.A realidade sertaneja, nos repentes de dois rapazes plebeus - Nicandro Nunes do Nascimento e Bernardo Nogueira, é a impressão viva desse sentimento. É o eco estrangulado dessa tragédia coletiva, que é a seca. Desfiam o rosário de dores de 1877 na Paraíba, pelos efeitos da seca, nestas estrofes inéditas:

É - me preciso mudar
Da terra que amo e moro,
Terra que muito adoro,
A minha pátria natal.
Magino na beira-mar,
Me entristece o coração
Lagadiço, lameirão,
Pois a fome não é pêca,
Nesta tão terrível sêcca,
Foge, povo do sertão!

Ó, meu Deus, grande é o pecado
Deste povo que é teu
Morto á fome, como eu,
Magro, nú e acabado!
Nem em casa, nem no roçado
Não se vê, não se acha pão,
Não ha mais no duro chão
Raiz de pau ou semente,
Morre, se acaba a gente!
Foge, povo do sertão!

Foi-se a abelha, foi-se a caça,
A quem se pede nega,
Não há ceifa, não há rega...
Como é que o povo passa?
Do cabrum ha pouca raça,
Uma gallinha não ha
Como o povo viverá
Nesta terra? E os animaes?
Mas, se Deus sabe o que faz,
Deus o remedio dará.

Com razão, paes, te aflagellas
Não teres trajes decentes
Que cubram as innocentes
Carnes das filhas donzellas.
Seminúas saem ellas,
Com a vista baixa no chão,
Se escondendo entre os mais vão,
Dos olhos lagrimas correndo,
A quem encontram é dizendo:
Foge povo do sertão!

A fome foi tão canina
Que, se mais saber tu queres,
No Pombal duas mulheres
Comeram uma menina.
...................

Tambem muito senti eu
Quando sube que um vizinho
Tinha comido um poldrinho
De uma egua que modeu
Mais sentiu foi quem morreu,
De fome no mato e nú,
Cavando raiz de imbú.
E olhem como não ficaram
Os filhos, quando o acharam
Comido pelo urubú!

Xique-xique, mucunã,
Raiz de imbú e colé,
Feijão brabo, catolé,
Macambira, imbiratã,
Do pau pedra a carimã,
A paneira e o murrão,
Maniçoba e gordião,
Comendo isso todo o dia,
Incha e causa hydropisia,
Foge, povo do sertão!

Marchemos a encarar
Trinta mil epidemia,
Frialdade, hydropisia,
Que ninguém pode escapar.

Os que para o brejo vão
Morrem de epidemia;
Soffrem fome todo dia
Os que ficam no sertão,
Neste pego de afflicção.
Vae o sertão ficar vago!
A memoria tudo eu trago
Repassado de tristeza.
Ó Deus, que és pae da pobreza,
Dai-nos pão, dai-nos afago!

Que é feito dos cangaceiro
Que dominavam Texeira?
Deu-lhe a fome uma carreira;
Foram esbarrar no lameiro.
Quedê homens de dinheiro
Que ralhavam no sertão?
Que é feito do valentão
Que cevava o guarda-costa?
Vive tudo de mão posta,
Dizendo Deus dai-nos pão.