sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Testamento de André Vidal de Negreiros

Após as fórmulas cartoriais e religiosas de praxe: data a 14 de maio
de 1678

Declaro que sou natural da Cidade da Paraíba, filho de
legítimo matrimônio de Francisco Vidal, natural da Cidade de Lisboa,
e de Catarina Ferreira, natural de Porto Santos, os quais são
falecidos da vida presente, e que sou solteiro, e nunca fui casado e
nem fiz promessas de o ser.
Declaro que não tenho herdeiro nenhum forçado que haja de
herdar minha fazenda; pelo que instituo por minha herdeira universas
a minha alma, de todos os meus bens que se acharem me pertençam
líquido monte, cumprindo-se me tudo as dotações que tenho feito à
minha Capela, invocação de N.S. do Desterro, sita nos meus Currais, à
qual doei e dotei os bens nela declarados; e dos que se acharem fora
das ditas doações, meus Testamenteiros disporão delas na forma que em
meu Testamento ordeno; porque minha última vontade é que inteiramente
se guarde as ditas doações e instituição da Capela; e se necessário é
para sua validade por esta minha última vontade, confirmo tudo que
nas ditas escrituras tenho posto, e no mais que parecer melhor a meus
Testamenteiros que abaixo nomeio, os quais me farão os mais sufrágios
que aqui nomear.
Declaro que instituo por meus Testamenteiros os Revs. Padres
Manuel Vidal de Negreiros e Antonio de Souza Ferraz, Sacerdotes do
hábito de S.Pedro, e em sua ausência ao Procurador da S.Casa de
Lisboa, a quem peço e rogo pelo amor de Deus queiram aceitar serem
meus Testamenteiros, aos quais e a cada in solidum dou todo poder que
em direito posso e for necessário, para dar dos meus bens, tomarem e
acudirem o que necessário for para o meu enterramento e cumprimento
dos meus legados e paga das minhas dívidas.
Declaro que tenho cinco engenhos, quatro d'água com todas as
terras, partidos, pastos, lenhas, escravos, cobres, bois e tudo o
mais necessário; dois na Capitania da Paraíba, da invocação S.João
Batista e Engenho Novo de S.Antonio; e assim mais outro Engenho Novo
de S.Antonio em Goiana e o Engenho S.Francisco na Várzea de
Capibaribe de Pernambuco, e assim mais um Molinote na ribeira de
Goiana, invocação de N.S. da Conceição, que tenho arrendado ao
sargento-maior Francisco Camelo Valcassar, por cada ano quatrocentos
mil réis, pagos em açúcar posto no Recife e como valer na praça.
Declaro mais que tenho vinte Currais de gado vacum com os
escravos necessários nestas terras em que se podem pôr mais Currais,
os quais comprei a Manuel Correia Pestana e ao Dr.Simão de Lapenha,
como consta das escrituras e títulos; assim mais tenho as terras de
Caricé que comprei aos Araújos, onde tenho eu mais Currais com
escravos e bois necessários para serrarem caixões e lavrarem
mantimentos para maneio dos Engenhos; assim mais tenho uma sorte de
terras na ilha de Teriri em que tenho uma rede com um mulato e quatro
ou cinco peças de escravos.
Declaro que, além destes Currais, deixei mais um junto à
Ermida de Nossa Senhora, que lhe dei quando levantei a dita Capela,
para a fábrica da dita Igreja.
Declaro que tenho comprado na ribeira de Mamanguape uma sorte
de terras ao Capitão Duarte Gomes da Silveira, em que tenho uma
serraria com escravos e bois.
Declaro que tenho uns chãos no Recife, da banda do mar, junto
às casas de Antônio Ferreira Rabelo, que comprei ao Capitão André
Gomes Pena e a seu irmão o Cheira-dinheiro, por alcunha; e assim mais
uma sorte de terras na praia da Barreta que houve de João de Mendonça
Furtado; assim mais três braças de terra que comprei ao alferes
Francisco Fernandes Beija e a sua cunhada.
Junto às terras dos meus Currais comprei uma sorte de terras
a Álvaro Teixeira de Mesquita, o Moçambique, junto ao seu açude, em
que está um curral de gado com seus escravos, que dei ao Padre Manuel
Vidal de Negreiros, para seu patrimônio.
Tenho mais uma data de terras de dez léguas em quadro na
Paraíba, dada pelo Conde de Atouguia, e outras datas mais, que partem
com elas, que me deu o Capitão-mor que foi da Capitania da Paraíba,
Luiz Nunes de Carvalho.
Também tenho para a parte da Paraíba uma sorte de terras em
Jurupiranga para gado que comprei com o Engenho Novo de Santo Antônio
de Goiana, que pertence à Capela.
Declaro que tenho na Cidade da Paraíba umas casas de sobrado
e uns chãos juntos delas, e uma pedreira com um forno de cal com toda
terra que vai correndo até o rio Paraíba.
Declaro que destes bens que possuo tenho dado e vinculado à
instituição da Capela de N.S . do Desterro dos meus Currais, onde me
hei de recolher com alguns Sacerdotes, o Engenho Novo de S.Antônio de
Goiana, com todas as suas terras, parte dos cobres, bois e peças de
escravos, e tudo o mais pertencente ao dito Engenho; e assim mais
terras do Caricé que comprei aos Araújos, onde tenho uma serraria e
lavouras de roças com todas as peças d'escravos, bois e carros; e
assim mais lhe doei os vinte Currais de gado vacum que nos limites de
Terra Nova e Tirite na Capitania de Itamaracá e rio da Paraíba, com
todos os escravos e terras em que se podem pôr mais Currais, como
tudo se acha nas escrituras.
Declaro que também tenho dado e doado à dita Capela o Engenho
S.João, sito na Capitania da Paraíba, com todas as terras, partidos,
cobres, escravos e bois, e tudo o mais pertencente a ele; e assim
mais as terras de Mamamanguape que comprei retro aberto ao Capitão
Duarte Gomes da Silveira, onde tenho uma serraria com peças e bois
para maneio dos ditos Engenhos doados à Capela.
Declaro que tenho dado à minha afilhada D.Catarina Vidal de
Negreiros o Engenho de S.Francisco, sito nesta Várzea de Capibaribe
com todas as terras e partidos, cobres, bois e peças; e tudo o mais
pertencente a ele; como também as terras que comprei ao Capitão
Antônio Cavalcanti de Albuquerque, junto ao açude de Álvaro Teixeira;
o que tudo lhe dou pelo amor de Deus, para bem de seu casamento,
assim por ser minha afilhada de batismo, como pela ter criado; com as
condições e cláusulas na escritura que lhe fiz da doação do dito
Engenho de São Francisco.
Declaro que, do dito Engenho, deixei que de seus reditos se
dessem dois mil cruzados ao alferes Francisco de Freitas Vidal, pelo
amor de Deus, os quais se lhe darão ainda que D.Catarina Vidal de
Negreiros não case e nem seja Freira, de qualquer sorte ordeno aos
meus Testamenteiros lhe dêem dois mil cruzados dos rendimentos do
dito Engenho de S.Francisco; e no caso de que a dita D.Catarina não
tome estado, porque tomando-o ela, ou seu marido lhe satisfarão a
duzentos mil réis em cada ano, em açúcar e como valer nesta praça do
Recife.
Deixo duzentos mil réis em cada ano a Matias Vidal de
Negreiros, enquanto for vivo, os quais lhe deixo pelo amor de Deus, e
por se achar criado em minha casa; os quais duzentos mil réis pagarão
meus Testamenteiros do rendimento do dito Molinote N.S. da Conceição.
Deixo e ordeno ao Padre Manuel Vidal de Negreiros, como meu
Testamenteiro, pelo trabalho que há de ter nas disposições dos meus
legados, que tome para si duzentos mil réis em cada ano, enquanto ele
viver, do rendimento do dito Molinote da invocação de N.S. da
Conceição, os quais duzentos mil réis, além do seu trabalho, deixo
pelo amor de Deus, pelo haver criado em minha casa; e por sua morte e
de Matias Vidal de Negreiros, passará o dito Molinote à Capela que
tenho instituído de N.S. do Desterro dos meus Currais, para o
administrador da mesma Capela repartir o rendimento dele, na forma em
que ordeno na escritura da instituição respectiva.
Declaro que, sendo o caso que Deus faça de mim alguma coisa
antes da minha afilhada D.Catarina Vidal de Negreiros tomar estado,
ordeno que meus Testamenteiros lhe dêem todo o necessário dos
rendimentos do Engenho S.Francisco, para seu sustento e vestir, até o
tomar, com toda a largueza; e se Deus a tomar para si antes de o
fazer, meus Testamenteiros lhe farão bem por sua alma, e darão a sua
mãe Isabel Rodrigues, quatro peças de escravos pelo amor de Deus e
pelos bons serviços que tenho recebido dela, além do negro Rodrigo
Sapateiro, que lhe dei quando casou.
Declaro que Fr.Francisco Vidal ou da Madalena, Religioso
Carmelitano, que serviu de Prior no Convento do Carmo da Vila de
Olinda, e agora está servindo de Provincial de sua Religião, é filho
de Inês Barroso, pessoa que era naquele tempo casado com Gaspar
Nunes, e quando nasceu era ainda vivo o dito Gaspar Nunes; e viveu
ainda depois muitos anos, como consta das provações que da Majestade
lhe mandasse tirar quando lhe fez mercê do hábito de Cristo, dizendo
na Provisão que supria nos impedimentos dele Fr.Francisco Vidal, ser
filho de mulher casada, como consta também por um sumário de
testemunhas que a meu requerimento se tiraram ad perpetuam rei
memoriam. Os meus Testamenteiros darão clareza de tudo, e suposto que
se dizia que ele era meu filho, nunca o tive por esse; e se que fora,
nunca podia ele nem a Ordem herdar de mim, assim por ser filho
adulterino, como porque quando ele nasceu, era eu Capitão de
Infantaria na cidade da Bahia, e havia sido Alferes e Ajudante da
mesma Infantaria muitos anos; além de eu ser nobre e viver sempre na
Lei da nobreza; mas por se haver criado em minha casa o dito Padre
Fr.Francisco ordeno a meus Testamenteiros lhe dêem cem mil réis todos
os anos enquanto ele for vivo somente; os quais lhe pagarão do
rendimento do Engenho Novo de S.Antônio da Paraíba, que comprei ao
Capitão Duarte Gomes da Silveira.
Deixo ao meu sobrinho Antônio Curado Vidal, as Comendas que
S.Majestade me tem dado, assim a de S.Pedro do Sul em que estou
encartado, como as demais que tem feito mercê e promessa; e assim
mais meus serviços, e peço a S.Alteza que, atendendo aos muitos e
bons serviços que tenho feito à Coroa de Portugal, lhe faça todas
estas mercês e o queira honrar com outras muitas mais avantajadas; e
assim lhe deixo mais dois mil cruzados, que lhe pagarão da venda ou
rendimentos do Engenho Novo de S.Antônio da Paraíba, que comprei a
Duarte Gomes da Silveira, em açúcares a duzentos mil réis cada ano, e
como valer na praça do Recife; e lhe deixo mais meu espadim de prata.
Deste modo houve eu por acabado este Testamento, e esta é a
última e verdadeira minha vontade; e revogo e hei por revogados
quaisquer outros Testamentos e Codicílios que antes deste tenha
feito, os quais não quero que tenham força ou vigor, e só este quero
que valha; e peço e rogo às Justiças de S.Alteza, assim eclesiásticas
como seculares, façam cumprir e guardar este meu Testamento, assim e
da maneira que nele se contém, que fiz e assinei com a minha própria
mão, sendo testemunhas as pessoas abaixo nomeadas, e assim em dia e
era acima. André Vidal de Negreiros.
Declaro que tenho mais uma sorte de terras em Goiana, entre o
Engenho do Jacaré e terras de João Pacheco, e que comprei aos
Morenos, que também deixo à Capela. André Vidal de Negreiros.

Maximiano Lopes Machado, História da Província da Paraíba,
v.1, p.313-322